Por Juliana Monachesi
Ambigüidade é o nome do jogo aqui. O artista Éder Roolt carrega nas
tintas para pôr em xeque noções culturais de real e realismo, de reprodução e
identidade, de padrão e desvio. Bebendo na fonte do hiper-realismo, do qual ao
mesmo tempo desconfia profundamente, Roolt cria uma linguagem própria de
pintura figurativa – que passa então a distorcer e tencionar conforme a
necessidade do tema abordado ou da iconografia eleita.
De instantâneos de uma infância inocentemente despudorada a uma
adulteração da candura, passando por indícios do inconsciente -o brinquedo, a
memória indireta da fotografia, o símbolo do fim de festa-, as pinturas do
artista escancaram as maiores perdas do mundo real. A infância, na obra de
Roolt, não é um tema localizado, mas antes um recurso metafórico para retratar
a subjetividade contemporânea na era da infantilização geral e indiscriminada
da maturidade, e também o seu reverso, a precocidade e queima de etapas
psicológicas e culturais no universo infantil.
Além disso, a infância funciona, em suas pinturas, como pretexto
reconhecível para evidenciar o trânsito entre ficções documentadas e documentos
obliterados no imaginário cultural contemporâneo, propondo assim respostas a
perguntas como Qual a atualidade e relevância da pintura hiper-realista em
tempos de disseminação dos meios de registro e reprodução da fotografia e do
vídeo? Faz sentido ainda opor pintura a fotografia nos dias de hoje?
A pintura paulistana vive um boom como não se via desde os anos 1980.
Porém, como 30 anos atrás, diante da avassaladora quantidade de obras
produzidas pelos pintores, é imenso o desafio de diferenciar o bom do mediano,
e mais difícil ainda é distinguir o bom do ótimo. Quais destes pintores que
despontaram no final da década de 2000 vão ficar? Que artistas da geração 2010
têm condições de continuar produzindo um trabalho relevante daqui a dez ou 20
anos?
A exposição de Éder RoolT ajuda a separar o joio do trigo no contexto da
pintura de seu tempo. Pelo contraste que propiciam em relação a boa parte da
produção vigente, suas telas evidenciam o quão complacente e apaziguadora é a
pintura praticada nos ateliês paulistanos hoje em dia (porque não se compromete
com nada, tem medo de fazer escolhas ou defender o que quer que seja, e acaba
esvaziada pela banalidade). Sua pintura, ao contrário, é crítica. Seu discurso
é sofisticado. Sua técnica, impecável. E está em boa companhia: Marilyn Minter,
Montean & Rosenblum, Eric Fischl, Rudolf Stingel e Dan Colen são alguns dos
artistas com quem sua obra dialoga.
Estes são artistas que deixaram no passado o embate entre figuração e
fotografia, assim como entre realismo e romantismo, e conferiram, deste modo,
outra razão de ser para a pintura de base fotográfica. Um tipo de pintura,
aliás, que requer outra designação. "Hiper-realismo", está claro, não
dá mais conta de descrevê-la. Cumpre, diante das telas apresentadas em Festa
Anticonformista, perguntar que tipo -ou qual camada- de realidade está em questão,
ou mesmo qual o assunto delas, por que são apresentadas nesta e não em outra
seqüência, e por que estão reunidas sob este título.
Está tudo aí. Basta olhar com atenção.